O café da manhã está pronto. Tudo arrumado na mesa e sua vitamina de abacate com leite saindo do liquidificador, afinal, lemos que a fruta nos ajuda a perder a gordura. No primeiro gole, você abre jornal e está lá a notícia: “Consumo frequente de abacate pode aumentar colesterol, diz estudo”. E agora? No que acreditar?

São tantos os estudos nutricionais que vão a público toda semana que ficamos confusos com relação aos resultados. É para tomarmos iogurte depois dos exercícios ou não? Duas xícaras de café são suficientes para controlar a diabetes? Não é à toa que acabamos esquecendo muitas dessas pesquisas e nos focando somente naquelas que acabam trazendo as respostas que queremos ouvir.

O começo de tudo

Um dos primeiros casos registrados de pesquisa científica clínica com viés nutricional é o de James Lind e o escorbuto, lá em 1747. Depois de separar grupos de marinheiros com a doença e usar tratamentos diferentes para cada um deles, chegou à conclusão de que a condição estava ligada à deficiência de vitamina C, pois o grupo tratado com laranjas e limões se recuperou¹.

Depois disso, a relação foi testada novamente algumas vezes, mas a descoberta deu origem a este modelo de pesquisa clínica. O problema é que doenças como câncer, diabetes, pressão alta ou outras condições crônicas são muito mais difíceis de apreender facilmente, pois não aparecem da noite para o dia e têm muitos fatores que influenciam em seu desenvolvimento.

São tantos os nutrientes, os tipos de dietas e os resultados possíveis que se torna complexo – e perigoso – fazer afirmações certeiras. A partir de uma base de dados de longo prazo, é possível, inclusive, tirar conclusões positivas ou negativas a respeito de qualquer coisa. Nesse sentido, a metodologia importa bastante. No entanto, são várias as maneiras de chegar a esses resultados, cada uma com seus problemas.

Testes de algumas semanas são fáceis, mas não levam em conta os efeitos de uma dieta consistente de décadas. Estudos mais longos podem sanar este problema, mas são muito mais difíceis de controlar e precisam se basear nas respostas dos pacientes – que nem sempre são verdadeiras. Nesse sentido, estudos diferentes, de metodologias diferentes, que chegam à mesma conclusão, normalmente são um bom indicativo da relação causa-efeito.

Então como entender as pesquisas?

“A primeira coisa que devemos fazer com uma pesquisa dessas é olhar o crivo editorial e o desenho do estudo. Onde foi publicada a pesquisa e como ela foi feita?”, sugere a nutricionista Carolina Pimentel. “Existe uma pirâmide do menos crível para o mais crível, cuja base é a opinião de um só especialista. E vamos subindo ao passar por estudos de caso, observação de grupos, estudos longitudinais que acompanham uma população por um longo período de tempo e, então, o padrão ouro: ensaios clínicos controlados com mais de mil pessoas”, completa.

E a quantidade de estudos e pesquisas que chegam à mesma conclusão também é um indicativo. Se apenas um estudo relaciona o consumo de um alimento a um resultado negativo, esta é uma ideia que devemos olhar com cuidado. “Isso porque a comunidade científica funciona com base em hipóteses, comprovações, discussões e repetições, que normalmente passam pelas mãos e cabeças de diversos grupos de pesquisadores”, afirma Carolina.

E como há um ciclo de notícias que deve ser alimentado, fica difícil esperar um consenso da comunidade. “Uma manchete que diz ‘Pesquisa indica que café contribui para o desenvolvimento do câncer, mas mais pesquisas são necessárias para comprovação’ é muito menos interessante do que ‘Café causa câncer’”, diz a nutricionista.

Além de medicamentos

Mas a culpa também é um pouco nossa. Como não temos tempo para ficar acompanhando todos os estudos que saem por aí, acabamos prestando atenção nas manchetes que mais nos interessam e digerindo muita coisa sem parcimônia.

Para mudar isso, é necessária uma mudança de postura. “Nós não podemos olhar para os alimentos como medicamentos. Nenhuma cura surge da noite para o dia. São milhares de fatores que interagem para o desenvolvimento e a cura de uma doença e uma só comida ou bebida não pode prevenir ou tratar nada”, argumenta Carolina.

Como já tratamos por aqui, no post sobre dietas sem fundamento, a alimentação deve ser considerada como apenas um dos pilares do estilo de vida. “A nossa postura com relação à saúde deve sempre ser holística. Ser saudável é comer bem, dormir bem à noite, ter momentos de lazer, se exercitar, tudo isso junto”, completa.

 

Fonte:

¹Perspectives in Clinical Research.